12 de fevereiro de 2011

Tons & Ecos 12/02/2011



8/2/2011


Uma esperança: A Era do Ecozóico


"O Produto Interno Bruto não pode ser feito à custa do Produto Terrestre Bruto.
Aqui está o nosso pecado original", escreve
Leonardo Boff, teólogo.

Eis o artigo.

Quem leu meu artigo anterior ‘O antropoceno: uma nova era geológica’ deve ter ficado desolado. E com razão, pois, quis intencionalmente provocar tal sentimento. Com efeito, a visão de mundo imperante, mecanicista, utilitarista, antropocêntrica e sem respeito pelaMãe Terra e pelos limites de seus ecossistemas só pode levar a um impasse perigoso: liquidar com as condições ecológicas que nos permitem manter nossa civilização e a vida humana neste esplendoroso Planeta.

Mas, como tudo tem dois lados, vejamos o lado promissor da atual crise: o alvorecer de uma nova era, a do Ecozóico. Esta expressão foi sugerida por um dos maiores astrofísicos atuais, diretor do Centro para a História do Universo, do Instituto de Estudos Integrais da Califórnia: Brian Swimme.

Que significa a Era do Ecozóico? Significa colocar o ecológico como a realidade central a partir da qual se organizam as demais atividades humanas, principalmente a econômica, de sorte que se preserve o capital natural e se atenda as necessidades de toda a comunidade vida presente e futura. Disso resulta um equilíbrio em nossas relações para com a natureza e a sociedade no sentido da sinergia e da mútua pertença deixando aberto o caminho para frente.

Vivíamos sob o mito do progresso. Mas este foi entendido de forma distorcida como controle humano sobre o mundo não-humano para termos um PIB cada vez maior. A forma correta é entender o progresso em sintonia com a natureza e sendo medido pelo funcionamento integral da comunidade terrestre. O Produto Interno Bruto não pode ser feito à custa do Produto Terrestre Bruto. Aqui está o nosso pecado original.

Esquecemos que estamos dentro de um processo único e universal – a cosmogênese – diverso, complexo e ascendente. Das energias primordiais chegamos à matéria, da matéria à vida e da vida à consciência e da consciência à mundialização. O ser humano é a parte consciente e inteligente deste processo. É um evento acontecido no universo, em nossa galáxia, em nosso sistema solar, em nosso Planeta e nos nossos dias.

A premissa central do Ecozóico é entender o universo enquanto conjunto das redes de relações de todos com todos. Nós humanos, somos essencialmente, seres de intrincadíssimas relações. E entender a Terra com um superorganismo vivo que se autorregula e que continuamente se renova. Dada a investida produtivista e consumista dos humanos, este organismo está ficando doente e incapaz de "digerir” todos os elementos tóxicos que produzimos nos últimos séculos. Pelo fato de ser um organismo, não pode sobreviver em fragmentos mas na sua integralidade. Nosso desafio atual é manter a integridade e a vitalidade da Terra. O bem-estar da Terra é o nosso bem-estar.

Mas o objetivo imediato do Ecozóico não é simplesmente diminuir a devastação em curso, senão alterar o estado de consciência, responsável por esta devastação. Quando surgiu o cenozóico (a nossa era há 66 milhões de anos) o ser humano não teve influência nenhuma nele. Agora no Ecozóico, muita coisa passa por nossas decisões: se preservamos uma espécie ou um ecossistema ou os condenamos ao desaparecimento. Nós copilotamos o processo evolucionário.

Positivamente, o que a era ecozóica visa, no fim das contas, é alinhar as atividades humanas com as outras forças operantes em todo o Planeta e no Universo, para que um equilíbrio criativo seja alcançado e assim podermos garantir um futuro comum. Isso implica outro modo de imaginar, de produzir, de consumir e de dar significado à nossa passagem por este mundo. Esse significado não nos vem da economia, mas do sentimento do sagrado face ao mistério do universo e de nossa própria existência. Isto é a espiritualidade.

Mais e mais pessoas estão se incorporando à era ecozóica. Ela, como se depreende, está cheia de promessas. Abre-nos uma janela para um futuro de vida e de alegria. Precisamos fazer uma convocação geral para que ela seja generalizada em todos os âmbitos e plasme a nova consciência.

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=40483





8/2/2011


O antropoceno: uma nova era geológica


"O prêmio Nobel de Química de 1995, o holandês Paul J. Crutzen, aterrorizado pela magnitude do atual ecocídio, afirmou que inauguramos uma nova era geológica: o antropoceno. É a idade das grandes dizimações perpetradas pela irracionalidade do ser humano (em grego ántropos). Assim termina tristemente a aventura de 66 milhões de anos de história da Era Cenozóica. Começa o tempo da obscuridade", escreve Leonardo Boff, teólogo.

Segundo ele, "já não se trata de salvar nosso bem estar, mas a vida humana e a civilização".

Eis o artigo.

As crises clássicas conhecidas, como por exemplo a de 1929, afetaram profundamente todas as sociedades. A crise atual é mais radical, pois está atacando o nosso modus essendi: as bases da vida e de nossa civilização. Antes, dava-se por descontado que a Terra estava aí, intacta e com recursos inesgotáveis. Agora não podemos mais contar com a Terra sã e abundante em recursos. Ela é finita, degradada e com febre não suportando mais um projeto infinito de progresso.

A presente crise desnuda a enganosa compreensão dominante da história, da natureza e da Terra. Ela colocava o ser humano fora e acima da natureza com a excepcionalidade de sua missão, a de dominá-la. Perdemos a noção de todos os povos originários de que pertencemos à natureza. Hoje diríamos, somos parte do sistema solar, de nossa galáxia que, por sua vez, é parte do universo. Todos surgimos ao longo de um imenso processo evolucionário. Tudo é alimentado pela energia de fundo e pelas quatro interações que sempre atuam juntas: a gravitacional, a eletromagnética e a nuclear fraca e forte. A vida e a consciência são emergências desse processo. Nós humanos, representamos a parte consciente e inteligente da Via-Láctea e da própria Terra, com a missão, não de dominá-la mas de cuidar dela para manter as condições ecológicas que nos permitem levar avante nossa vida e a civilização.

Ora, estas condições estão sendo minadas pelo atual processo produtivista e consumista. Já não se trata de salvar nosso bem estar, mas a vida humana e a civilização. Se não moderarmos nossa voracidade e não entrarmos em sinergia com a natureza dificilmente sairemos da atual situação. Ou substituímos estas premissas equivocadas por melhores ou corremos o risco de nos autodestruir.A consciência do risco não é ainda coletiva.

Importa reconhecer um dado do processo evolucionário que nos perturba: junto com grande harmonia, coexiste também extrema violência A Terra mesma no seu percurso de 4,5 bilhões de anos, passou por várias devastações. Em algumas delas perdeu quase 90% de seu capital biótico. Mas a vida sempre se manteve e se refez com renovado vigor.

A última grande dizimação, um verdadeiro Armagedon ambiental, ocorreu há 67 milhões de anos, quando no Caribe, próximo a Yucatán no México, caiu um meteoro de quase 10 km de extensão. Produziu um tsunami com ondas do tamanho de altos edifícios. Ocasionou um tremor que afetou todo o planeta, ativando a maioria dos vulcões. Uma imensa nuvem de poeira e de gases foi ejetada ao céu, alterando, por dezenas de anos, todo o clima da Terra. Os dinossauros que por mais de cem milhões de anos reinavam, soberanos, por sobre toda a Terra, desapareceram totalmente. Chegava ao fim a Era Mesozóica, dos répteis e começava a Era Cenozóica, dos mamíferos. Como que se vingando, a Terra produziu uma floração de vida como nunca antes. Nossos ancestrais primatas surgiram por esta época. Somos do gênero dos mamíferos .

Mas eis que nos últimos trezentos anos o homo sapiens/demens montou uma investida poderosíssima sobre todas as comunidades ecossistêmicas do planeta, explorando-as e canalizando grande parte do produto terrestre bruto para os sistemas humanos de consumo. A conseqüência equivale a uma dizimação como outrora. O biólogo E. Wilsonfala que a “humanidade é a primeira espécie na história da vida na Terra a se tornar numa força geofísica” destruidora. A taxa de extinção de espécies produzidas pela atividade humana é cinquenta vezes maior do que aquela anterior à intervenção humana. Com a atual aceleração, dentro de pouco – continua Wilson – podemos alcançar a cifra de mil até dez mil vezes mais espécies exterminadas pelo voraz processo consumista. O caos climático atual é um dos efeitos.

O prêmio Nobel de Química de 1995, o holandês Paul J. Crutzen, aterrorizado pela magnitude do atual ecocídio, afirmou que inauguramos uma nova era geológica: o antropoceno. É a idade das grandes dizimações perpetradas pela irracionalidade do ser humano (em grego ántropos). Assim termina tristemente a aventura de 66 milhões de anos de história da Era Cenozóica. Começa o tempo da obscuridade.

Para onde nos conduz o antropoceno? Cabe refletir seriamente.

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=40484



8/2/2011




Creative Commons: um bem coletivo. Entrevista especial com Sérgio Amadeu




A licença Creative Commons está em consonância com a lógica de interação da internet, pois permite que “o autor tenha uma licença juridicamente consistente, sem que seja preciso contratar um advogado. Isso facilita, regulariza as situações, dá segurança jurídica para o compartilhamento”, defende Sérgio Amadeu, em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone. Diferentemente da lei de direitos autorais, o Creative Commons “pensa claramente na importância de direitos reservados ao autor” e garante que as “obras sejam divulgadas, distribuídas, recombinadas, e deem origem a novas criações”, explica.

Na entrevista a seguir, o defensor e divulgador do Software Livre e da inclusão digital no Brasil critica a postura da Ministra da Cultura, Ana de Hollanda, que retirou o Creative Commons do sítio do ministério. Segundo o pesquisador, a iniciativa está na contramão da trajetória histórica do Ministério das Relações Exteriores em defesa da flexibilização das legislações de propriedade intelectual. “Aqueles que propuseram indicação da ministra Ana de Hollanda esqueceram de perguntar o que ela achava sobre uma das principais áreas de projeção do Brasil no mundo na gestão do presidente Lula: a área de cultura”, ironiza.

Amadeu ressalta que a resistência a licenças Creative Commons está diretamente relacionada à indústria da intermediação, que, antes do fenômeno da internet, detinha os direitos autorais de diversas produções. E dispara: “Esses aparatos de intermediação, no mundo digital, passaram a ser desnecessários. A intermediação mudou de local, foi para própria rede. Então, em função desse novo contexto, é necessário fazer acertos na lei, a qual está longe de estar presente na proposta de reforma que foi feita pela sociedade civil.”

Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), Sérgio Amadeu participou da implementação dos Telecentros na América Latina e da criação do Comitê de Implementação de Software Livre (CISL). Também foi presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI) da Casa Civil da Presidência da República e atualmente é professor na Universidade Federal do ABC (UFABC). É autor de, entre outros, Software Livre: a luta pela liberdade do conhecimento; Exclusão digital: a miséria na era da informação (São Paulo: Perseu Abramo, 2001); e Comunicação Digital e a Construção dos Commons: Redes virais, espectro aberto e as novas possibilidades de regulação.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como o senhor avalia, a partir dos primeiros movimentos deste governo, a política de compartilhamento do governo Dilma?

Sergio Amadeu – O governo Dilma tomou uma atitude bastante interessante a partir do Ministério do Planejamento, publicando uma diretiva do software público que garante o uso das licenças do software livre e priorizando-o dentro do governo. No mesmo dia, a ministra Ana de Hollanda manda tirar a licença Creative Commons do sítio do Ministério da Cultura, demonstrando-se contra a política de compartilhamento do governo Lula, continuada pela presidente Dilma. A ministra Ana de Hollanda não percebe que o próprio blog da Presidência da República, lançado pelo ex-presidente Lula, continua com esta licença e tudo indica que seu uso vai se ampliar dentro do governo.

IHU On-Line – Por quais razões o senhor imagina que ela retirou a licença Creative Commons do sítio do Ministério da Cultura?

Sergio Amadeu – Ana de Hollanda quer promover um retrocesso no que se refere ao compartilhamento, às redes digitais, à ideia de colaboração. Ela é ligada ao grupo do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD), que quer manter a lei de copyright do jeito que está, ou seja, não quer rever os abusos e os absurdos da lei.

Aqueles que propuseram indicação da ministra Ana de Hollanda esqueceram de perguntar o que ela achava sobre uma das principais áreas de projeção do Brasil no mundo na gestão do presidenteLula: a área de cultura. Ela quer realizar essa inversão de política no caso da cultura. Se vai conseguir, não sei, mas ela representa um retrocesso dentro de um quadro mais geral em que o governo avança e outras áreas, defendendo o compartilhamento. Certamente o Ministério da Justiça vai mandar proposta de marco civil pela internet, que garantirá a não criminalização dos jovens, pelo menos na regulamentação da internet, que participam de redes P2P (“Peer-to-Peer”). Entretanto, na contramão está o Ministério da Cultura. Então, percebo uma contradição no governo.

IHU On-Line – Como o senhor acha que a iniciativa da ministra irá repercutir no governo? Pode alterar as medidas já adotadas no que se refere à licença Creative Commons?

Sergio Amadeu – O governo vai ter de decidir quem tem razão: se é a ministra Ana de Hollandaou aqueles que defendem, dentro do governo, a política implantada pelo ex-presidente Lula. Em algum momento isso vai ter de ser resolvido, não sei quando, mas certamente haverá de se ter um acerto na política do governo
O Ministério das Relações Exteriores tem uma trajetória histórica em defesa da flexibilização das legislações de propriedade intelectual. Quer dizer, esta luta não é uma iniciativa dos ativistas. O Ministério das Relações Exteriores tem defendido, no caso das patentes, a subordinação do interesse social e a defesa da vida. No caso da polêmica dos fármacos, dos remédios da AIDS, no caso da propriedade intelectual, por exemplo, nós, ativistas, não concordamos, resistimos muito no final da rodada do Uruguai a tratar temas relativos à propriedade intelectual no âmbito da Organização Mundial do Comércio. Ou seja, o Brasil tem uma política de defender a criatividade e nós sabemos que para que se possa continuar com a inventividade, a criatividade, temos que ampliar a flexibilização desses bloqueios ao livre fluxo de conhecimento e de bens culturais, porque a base do conhecimento e a base da cultura é o próprio conhecimento e a cultura.

IHU On-Line – Neste caso a presidente não poderia ter feito uma intervenção, ter conversado com a ministra, como fez, por exemplo, com o Chefe da Segurança Institucional, general José Elito Siqueira, em outro momento?

Sergio Amadeu – Ela terá de fazer isso em algum momento, ou então ela vai, vamos dizer assim, mudar a própria política do ex-presidente Lula. Entretanto, os sinais dados são de continuidade dessa política de compartilhamento, de defesa das possibilidades de criação, da liberdade dos fluxos informacionais. Como o Ministério da Cultura foi o último a ter a sua direção indicada e como a presidente Dilma teve de enfrentar uma série de dificuldades para a composição das comissões no Congresso Nacional, acredito que não teve condições de se debruçar sobre esse tema. Teremos de aguardar para ver se a ministra irá parar só nesse ato simbólico ou se vai, de fato, continuar defendendo os interesses do ECAD.

IHU On-Line – O que o fato de o Ministério da Cultura ter tirado o selo de licença Creative Commons do seu sítio significa?

Sergio Amadeu – Essa atitude cria uma insegurança jurídica, uma dificuldade para poder continuar compartilhando, mas o maior fato é simbólico. Ana de Hollanda deu um sinal para todo mundo, dizendo: “Aqui não me vem com isso, eu mudei a política”. A consequência é principalmente política.

IHU On-Line – O que Ana de Holanda representa para o Ministério da Cultura do Brasil?

Sergio Amadeu – Não sei. Não a conhecia. Tanto é que, quando fizeram um texto a respeito dos riscos que representaria a nomeação dela, comentei que não a conhecia e iria esperar para avaliar.

Fiquei preocupado com essa ação de retirar o selo; é um sinal que ela mandou de retrocesso. Agora, se ela vai representar isso ou não, os fatos vão dizer. A questão é saber até onde ela vai com essa postura dela. De qualquer modo, ela representa um retrocesso e nada de novo na política cultural brasileira. Nada de novo, essa é a questão.

IHU On-Line – Como você avalia a lei dos direitos autorais no Brasil?

Sergio Amadeu – A lei do direito autoral é arcaica, extremamente dura no sentido de ser uma das mais ruins do planeta. Ela criminaliza fotocópia (xerox), por exemplo; ela mudou a lei que tinha antes, retirando o direito da cópia privada, claramente substituindo por uma ideia absurda de pequenos trechos, que nunca se sabe o que é.

Existem vários pequenos acertos a serem feitos, os quais permitem que ela se torne mais moderna, compatível com o mundo atual, e que reconheça o direito à pessoa, ao uso justo, ao uso privado de uma cópia para fins pessoais.

Outro aspecto importante a ser mudado – mas que penso que não conseguiremos alterar – é o prazo de duração de uma obra sorteada pelo copyright. O argumento da lei do direito de autor é de que a garantia de proteção serve para incentivar o criador. Entretanto, repare que a lei tem sido alterada, sendo estendido o prazo de proteção de uma obra que era de 14 anos, para 28, chegando ao ponto de uma obra só poder cair em domínio público depois de 95 anos após a morte do autor. No caso do Brasil, 70 anos após a morte do autor. Repare que a lei vem sendo alterada e o fundamento dela desapareceu, porque se o fundamento é incentivar a criação e o criador, não tem sentido proteger depois de sua morte.

Como diria Machado de Assis, não há nenhum sentido, a não ser a proteção dos interesses dos intermediários que detém a obra por contrato. A pessoa que fez um contrato passa a ser o dono da obra.
Essas alterações na lei servem muito mais para garantir a indústria da intermediação, do que para assegurar o direito do criador. Esses aparatos de intermediação, no mundo digital, passaram a ser desnecessários. A intermediação mudou de local, foi para própria rede. Então, em função desse novo contexto, é necessário fazer acertos na lei, que está longe de estar presente na proposta de reforma que foi feita pela sociedade civil.

IHU On-Line – Então a lei não é adequada para a internet?

Sergio Amadeu – Na verdade, a internet se expandiu e criou, ao seu redor e dentro dela, uma cultura digital, uma cibercultura. Uma das características importantes da cibercultura é a possibilidade de recombinação e de reconfiguração dos objetos digitais. Exatamente por causa da internet, as legislações de direito autoral do mundo todo, estão tentando bloquear as possibilidades criativas que a internet abriu. O que a internet fez foi desmistificar a criação. Ela separou efetivamente o conteúdo do seu suporte: um vídeo, uma película, a imagem e o texto do papel, tudo isso está liberado na rede.

Esse processo intenso de digitalização está preocupando a indústria da intermediação, que vivia do controle das criações a partir das dificuldades de compartilhar suporte. Agora, as criações estão digitalizadas, podem ser mixadas, recombinadas e distribuídas com muita facilidade. O mundo da escassez, que justificaria os altos preços de determinadas produções, não tem sentido na rede. Ela mudou muito as possibilidades criativas para melhor, só que como que a indústria da intermediação reage, ela faz uma conta completamente absurda e equivocada, ela diz assim: “Se as pessoas estão ouvindo mais música, muito mais música do que antes, como os nossos lucros não aumentaram com essa intensificação?” Então, eles pensam que estão perdendo bilhões. Entretanto, repare que a maioria dos jovens só baixou aquela música porque ela estava disponível gratuitamente. Segundo, os internautas nunca ouvem a maior parte das músicas que baixam; eles ouvem um trecho e nunca mais voltam a essa música. Se as pessoas tivessem que pagar pelas músicas, elas não as baixariam.

O mundo digital está acenando para a possibilidade de acessarmos uma diversidade inimaginável de conteúdos. Existe uma oferta de músicas e de bandas à disposição das pessoas, algo que não existia há alguns anos. Isto faz com que aquela grande indústria fonográfica tenha efetivamente a concorrência de milhares de músicas que estão na rede. Essa concorrência, portanto, essa diversidade cultural tem tomado a audiência de cantores e bandas lançados por gravadoras. Essa é a realidade.

IHU On-Line – Podemos dizer que a licença Creative Commons, da forma como está se desenvolvendo e sendo utilizada, gera uma cultura da economia do conhecimento?

Sergio Amadeu – Não. Penso que gera uma cultura do compartilhamento, uma cultura que pensa claramente na importância de direitos reservados ao autor, mas que garantam que determinada obra possa ser divulgada, distribuída, recombinada, e de origem a novas criações. É o reconhecimento de que a base da cultura é a própria cultura, que é um bem coletivo: isso é licença Creative Commons. Ela permite que o autor tenha uma licença juridicamente consistente, sem que seja preciso contratar um advogado. Isso facilita, regulariza as situações, dá segurança jurídica para o compartilhamento. É muito importante a licença Criative Commons.

Algumas pessoas argumentam que a ministra Ana de Hollanda retirou o símbolo da Creative Commons porque ele pertence a uma organização norte-americana e nós devemos defender o nacionalismo. Fizeram uma confusão propositada e equivocada do nacionalismo com uma licença de compartilhamento.
Se você entrar agora no sítio da rede
Al Jazeera, que de norte-americana não tem nada, verá que eles disponibilizam seus conteúdos com Creative Commons. Isso, para mim, basta. O argumento anterior é usado pelo ECAD.

IHU On-Line – Qual é o impacto econômico que teremos com a flexibilização dos direitos autorais?

Sergio Amadeu – O impacto econômico é, primeiro, fortalecer novas criações, ou seja, redistribuir mais os recursos da riqueza da cultura, garantir o surgimento de modelos de negócios compatíveis às redes digitais. Teremos muito a ganhar consolidando o modelo de compartilhamento.

IHU On-Line – Na realidade atual brasileira, qual a função do ECAD?

Sergio Amadeu – O ECAD é uma entidade opaca, sem transparência, baseada no modelo industrial, no controle dos canais de acesso aos bens culturais. O mercado não quer saber da licença Creative Commons; ele quer cobrar tudo, porque ele já é uma estrutura que tem vida própria, que não tem nada a ver com a criação. Ele montou sua burocracia e a burocracia quer sobreviver; ela sobrevive na intransparência. Essa é a realidade. O ECAD vai a festinhas de aniversário cobrar as músicas que são tocadas. É ridícula a situação. Precisamos de uma estrutura de distribuição da renda, da disseminação ou da veiculação de bens culturais que seja adequada, transparente. Deveríamos ter outra estrutura, efetivamente transparente na distribuição dos frutos da criação, nos frutos econômicos da criação.

IHU On-Line – O Brasil "invadiu" o Orkut e é o país onde o Facebook mais cresceu na América Latina, além de ser um dos principais atuantes no Twitter. Como o senhor vê nosso país no cenário da comunicação digital no mundo?

Sergio Amadeu – O Brasil é um país que tem uma cultura tradicional, popular muito afeita ao relacionamento. Por isso que a presença brasileira nas redes sociais é muito grande. O brasileiro também tem uma cultura muito criativa, que durante muito tempo foi entendida como negativa – chamada, inclusive, de cultura da gambiarra. Mas, se for analisar, toda a criação importante no mundo digital é uma grande gambiarra, é uma recombinação, é uma solução para enfrentar um problema com os códigos que estão à disposição.

A cultura popular brasileira é muito próxima do que vem a ser ou do que são os traços mais importantes da cibercultura. O Brasil um país que mal começou a usufruir das redes.

O que falta ainda para o Brasil é dar um salto no sentido de aplicações massivas, aplicações que partam daqui e sejam implantadas pelos outros países. A dificuldade brasileira é a língua inglesa, que domina a rede.

Acredito que, na presença da nossa cultura, a digitalização das nossas práticas culturais, dos movimentos culturais, vai encantar cada vez mais o planeta e vai ampliar a diversidade cultural que temos no país. O Brasil tem um campo muito aberto no mundo digital e, insisto, ele mal começou.

IHU On-Line – Na sua avaliação, quais devem ser as prioridades do Ministério da Cultura?

Sergio Amadeu – Continuar a política administrada pelo ex-ministro Gilberto Gil, aplicar mais recursos e projetos digitais. Criar incentivos não só ao cinema, mas à digitalização, à indústria de games. Deveria se ampliar muito fortemente o uso de softwares culturais livres por parte dos movimentos, dos pontos de cultura.

Outra prioridade seria colocar mais recursos nos pontos de cultura, abrir mais editais de projetos com incentivo à produção do que existe no país. É preciso entender como nós podemos usar mais tecnologias abertas, colocar mais tecnologias livres à disposição dos produtores e criadores culturais do país.

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=40453




Commons Strategies Group

Open letter to President Dilma Rousseff

February, 2011

This is an open letter to President Dilma Rousseff signed by international organizations, academics and activists in support of the work of the Brazilian society and government for the cultural commons

We are hopeful that the Brazilian Ministry of Culture, MinC, will continue its leadership for inclusive public policies for culture for the 21st century. Because Brazil has been so pioneering in this regard, let us mention just a few elements that contributed to the worldwide attention paid to your country in terms of Cultural Policies:
- the open dialogue between government and society, which sets forth a vision of democracy we all share;
- the Points of Culture, the Digital Culture Forum, the Forum of Free Media and other projects that demonstrated new and innovative types of cultural networks adaptive to the 21st century;
- the support for and development of free software and its adoption by public institutions, which in turn has stimulated a new approach for the management of shared resources. Brazil’s embrace of free software transcends the cultural sphere and is of major relevance, since it is one of the few worldwide initiatives promoting digital commons as a governance strategy;
- the adoption of open licensing models – such as Creative Commons licenses – by governmental institutions and publicly funded cultural organizations;
- Brazil’s leadership in the attempts to enlist other countries to help implement the Development Agenda of WIPO (World Intellectual Property Organization). This initiative is helping to balance the international system of intellectual property in accordance with different stages of development and with new forms of cultural production, ensuring access to knowledge;
- Brazil’s promotion of a broader international debate on limitations and exceptions for the blind within WIPO together with other countries and international civil society;
- Brazil’s openness towards new paradigms for the production and dissemination of knowledge. This leadership has been crucial because open digital paradigms will be highly influential in shaping culture and business in the 21st century;
- the construction of a Brazilian Bill of Rights for the Internet and the rejection of the Anti Counterfeiting Trade Agreement, ACTA;

The most urgent contemporary issue pioneered by Brazil, however, is copyright reform legislation, which aims to help creators and artists to express and distribute their creativity in a less restrictive legal environment, and to ensure that the society has balanced rights to access knowledge.

According to Consumers International’s IP Watchlist, the current Brazilian copyright law is one of the strictest laws in the world when it comes to provisions on access to knowledge. It lacks many of the exceptions that most countries provide in their laws, and it forbids many ordinary, noncommercial behaviors (including exhibiting movies for academic purposes, copying a book that is already out of print, and music shifting the contents of a legitimately purchased CD to an mp3 player). Brazil’s copyright laws are much more restrictive, in fact, than international treaties. Also, ECAD, the Brazilian collecting society, lacks transparency and effective public oversight, unlike what happens in most countries around the world. We are convinced, that the proposed changes to the current copyright law would benefit both authors and citizens.

The policy deliberations that Brazil has chosen -- public debate across the country complemented by a
public consultation officially held by the government on the internet -- can serve as a showcase of
democracy. But this is true only if the results are actually taken into account, as promised at the beginning of such process. This is what citizens legitimately expect from democratic governments.

We agree with our Brazilian colleagues, that the results of an open democratic process cannot simply be swept aside by the opinions of jurists or “commissions of notables.”

As Brazilian academics, jurists, non-profit and civil society organizations, artists and others said in their open letter to President Rousseff and Minister of Culture Ana Buarque de Holanda on December 28, 2010:

Much progress has been made in recent years. And much remains to be done. A change of direction by the Ministry of Culture means losing all the work achieved, as well as losing a historic opportunity for Brazil to lead, as it has been doing, this discussion on the global level, showing solutions and rational and innovative alternatives, without being afraid of taking new paths and without sticking to the models preached by the culture industry of the United States or Europe.”

It is important to note, that there was an underlying narrative to all those new paths in Brazil’s recent public policy on culture: they were inspired by the mind-opening and pioneering recognition that culture is made everywhere by everyone, and that culture and education are basic and constitutional rights. The most important treasure is Brazil’s enormous cultural diversity. A contingent of millions of new creators is now part of the fabric of Brazilian culture. That is what we call emancipation.

For years, in countless essays, analyses and blogposts, we have pointed to Brazil as an international leader and as an example of a country engaged in supporting access to knowledge and expanding democratic norms. The Ministry of Culture’s adoption of a Creative Commons license in 2003 was actually one of the most powerful, admired examples of such leadership.

We – the international community – are therefore troubled by the recent, significant changes in Brazil’s cultural policy as seen in a variety of specific decisions, among them the removal of the Creative Commons license from MinC’s website. Nevertheless we hope, that the process to ensure access to knowledge through law will continue to be guaranteed and that the dialogue to foster an open Internet, an open and collaborative digital culture, the expansion of open educational resources, and the reform of copyright law, will continue in your administration.

We come through this open letter to ask President Rousseff to ensure that the progressive stance of Brazil’s cultural policy will be continued and expanded, so that the the voice of Brazilian civil society will be heard and continue to be a beacon to the rest of the world!

It is our deepest hope that we will be able to continue citing Brazil’s Culture Policy as the most progressive in the world!

The undersigned

Commons Strategies Group

http://www.commonsstrategies.org/es/node/23



8/2/2011


''O produtor rural só vai conseguir vender a sua produção se tiver o licenciamento ambiental da sua propriedade'', diz procurador do MPF-PA


O mercado está fechando as portas para a carne produzida de forma ilegal na Amazônia. Nessa semana o Ministério Público Federal (MPF) e o Governo do Pará deram mais um passo importante para regularizar a produção pecuária no estado do Pará, ao se comprometerem que nenhum município, até junho, comercializará carne sem o cadastro ambiental e rural de suas propriedades.

A reportagem e a entrevista é de Aldrey Riechel e publicada por Amazonia.org.br, 07-02-2011.

Mesmo com a assinatura do governador Simão Jatene se comprometendo em colaborar com a redução do desmatamento e o fim da pecuária ilegal, cabe a cada prefeito do Pará assinar o pacto, caso contrário, as propriedades que não tiverem o cadastro ambiental rural ou estiverem em processo de aquisição não poderão comercializar seus produtos.

Inicialmente o pacto poderia ser assinado até o dia 1º de fevereiro, mas levantamentos feitos pelo MPF apontaram que a Secretária de Meio Ambiente do Estado não tinha estrutura suficiente para receber todos os licenciamentos no prazo, e os cadastros ambientais que foram feitos ainda não foram validados. Dessa forma o prazo foi estendido, sem uma data para encerrar.

Segundo o procurador da república, Daniel Azeredo, o ponto principal do pacto "é zerar o desmatamento. E pra zerar o desmatamento precisa desse cadastro ambiental rural e do compromisso dos municípios junto com os produtores". Ele relata que até o momento nenhum prefeito expressou que não assinará o pacto, e os que ainda não o fizeram foi por terem dúvidas sobre o processo.

Compromissos

Os municípios que assinaram garantiram às fazendas dentro de seus territórios mais tempo para providenciar a Licença: até agosto de 2011 para propriedades maiores que 3 mil hectares, até dezembro de 2011 para as que têm entre 500 e 3 mil hectares e até junho de 2012 para as menores que 500 hectares.

O pacto estabelece que só terão direito à prorrogação de prazos os proprietários rurais de municípios em que pelo menos 80% do território relativo a imóveis rurais privados e posses tiver sido registrado no cadastro ambiental rural até 30 de junho deste ano.

Outro ponto do pacto determina que a prorrogação vale apenas para municípios que não estejam inclusos na lista dos maiores desmatadores da Amazônia, elaborada peloInstituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), ou que deixem de fazer parte dessa lista dentro de um ano. O Ibama considera grande desmatador o município em que houver mais de 40 km² de desmatamento por ano.

Eis a entrevista.

Até o momento, quantos prefeitos assinaram o pacto?

Estamos tendo assinaturas diárias. O número mais recente é de 35 municípios. Também as federações assinaram, tanto a Federação dos Produtores Rurais, a FAEPA[Federação da Agricultura e Pecuária do Pará], quanto a federação dos municípiosFAMEP [Federação das Associações de Municípios do Estado do Pará]. A partir do momento que as duas federações assinaram, nessa segunda (31), a gente acredita que o número de municípios que vão aderir ao termo de compromisso vai aumentar durante o mês de fevereiro.

Mas o prazo final para os municípios assinarem não era dia 1º de fevereiro?

O que acontece com esse prazo? É que pelo compromisso com os frigoríficos, o frigorífico só pode comprar de produtor rural com licença ambiental. Para os municípios que estão entrando nesse novo termo de compromisso, esse prazo, do licenciamento ambiental, está sendo prorrogado. Até porque a gente fez alguns levantamentos e alguns estudos e verificou que a Secretaria de Meio Ambiente do Estado não tem estrutura suficiente para receber esse licenciamento. Então os cadastros ambientais que foram feitos, não foram ainda validados.

A partir de segunda-feira, o produtor rural de município que não assinou só vai conseguir vender a sua produção se estiver com o licenciamento ambiental da sua propriedade. De qualquer forma, o município pode ainda, em qualquer momento, aderir ao termo de compromisso, e aí o produtor rural volta a poder comercializar sua produção sem ter a licença ambiental, ou melhor, tendo o compromisso de obter a sua licença ambiental, mas com um prazo maior.

Teve algum município, em especial, que ainda não assinou e que justificou o motivo por não ter assinado?

Não houve nenhum município que se recusou a assinar. Eu tive uma reunião ontem (3) com o prefeito de Novo Repartimento, que é um município que está na lista dos que mais desmatam, e ele está disposto a assinar, mas quer que a assinatura seja precedida de uma audiência pública no município. Então eu me comprometi com ele a realizar o evento, no final do mês, começo do próximo mês, e ele vai partir pro trabalho, até porque ele quer buscar o apoio do setor produtivo. A gente tem entendido que não é o prefeito sozinho que vai fazer esse trabalho, tem que achar um consenso no setor. Então alguns municípios estão fazendo esse tipo de solicitação, mas negativa expressa, dizer que não assina ou que não há vontade de fazer, a gente não recebeu de nenhum município.

Uma das metas desse pacto, a partir do momento que ele assina, é que o município saia dessa lista dos maiores desmatadores da Amazônia...

É! Um dos pontos principais é zerar o desmatamento, é esse o objetivo que a gente quer alcançar em primeiro lugar. E pra zerar o desmatamento precisa desse cadastro ambiental rural e do compromisso dos municípios junto com os produtores.

E o Pará é um dos Estados que mais enfrenta problemas com a pecuária e quase sempre é um dos que mais desmata a Amazônia. Acha que será possível chegar ao desmatamento zero?

Desde que esse trabalho iniciou, nós estamos com o menor desmatamento da história. Esse trabalho começou em 2009, e foi o que, pela primeira vez, o desmatamento ficou abaixo dos 10 mil quilômetros quadrados. No ano seguinte, 2010, que terminou agora, a gente conseguiu manter esse desmatamento, inclusive foi abaixo do menor da história, alcançando um novo recorde. Então acho que estamos no caminho certo, mas é claro que precisamos trabalhar muito para zerar, para realmente chegar a um número do desmatamento que possa ser próximo do zero. Mas os resultados de queda de desmatamento já são significativos.

E será possível que a pecuária continue sendo viável economicamente?

É possível, a pecuária é uma das atividades que mais pode crescer em produtividade. Por exemplo, algumas fazendas produzem 0,8 animais por hectares, mas outras produzem 7 animais por hectares. Então com medidas de conscientização, com medidas de investimento em tecnologia, é possível sim se produzir mais e reduzir áreas de florestas desmatadas para a expansão da atividade pecuária, que é importante para o Estado.

Qual o próximo passo do MPF nesta campanha?

Agora é continuar trabalhando. Temos ainda que resolver algumas pendências para que haja a adesão de todos os municípios do Estado do Pará, ou pelo menos de todos os municípios que a pecuária é a atividade econômica preponderante. Vamos fazer algumas reuniões para tentar esclarecer alguns pontos, que ainda podem estar sendo poucos compreendidos e o próximo passo é auxiliar os municípios no cumprimento das metas que foram estabelecidas. O Ministério Público Federal não vai ficar no papel passivo de agente fiscalizador apenas, mas a nossa ideia é trabalhar junto, em parceria com o município, para dar apoio e estrutura para que o trabalho realmente aconteça.

Haverá apoio financeiro para esse projeto? Durante o período de inscrição, alguns municípios reclamaram que fazer o cadastro rural, que depende de um georreferenciamento, era caro e que não tinham como arcar com todas as despesas...

O cadastro ambiental hoje está gratuito, o produtor rural faz a inscrição na Sema, sem pagamento de qualquer tipo de taxa. Há um custo de mobilização de pessoal, mas o governo do Estado do Pará tem se colocado a disposição para assumir grande parte desse custo. Isso é um compromisso pessoal do governador, que deixou bem claro no discurso de assinatura, que essa é uma meta de governo, e já sinalizou em assumir algumas obrigações. Por exemplo, já está lá no termo que o governo vai fazer o monitoramento do desmatamento, que antes estava sendo colocado aos municípios.

O que a gente tem tentado colocar para os prefeitos é o fato que o dinheiro que está sendo gasto nesse processo ambiental não é gasto, é um investimento. Até porque municípios como Paragominas, que investiram dessa forma, hoje estão tendo uma arrecadação de investimentos, de tributos, que chega a alcançar, segundo as palavras do próprio prefeito em reunião, o dobro ou o triplo do que foi investido nesse trabalho. De qualquer forma, se sinalizarem que pode haver dificuldade de recursos, o governo está disposto de entrar com uma parte nesses investimentos.

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=40467



Dogmas não são dialéticos, artigo de Efraim Rodrigues

Publicado em fevereiro 8, 2011 por HC

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[EcoDebate] O que acontecerá agora que descobriu-se que as constelações não estavam onde os astrólogos pensavam ?

Alguém cairá em si que por centenas de anos nenhum destes idiotas de turbante se deu ao trabalho de olhar para as constelações de que tanto falam ? Alguém perceberá que se afinal de contas as pessoas eram de um signo e achavam que era de outro é porque na verdade tanto faz ?

Talvez Parke Kunkle ingenuamente acredite que sua descoberta mudará algo. Eu não, porque dogmas não são dialéticos. Voltemos para o ambiente para eu explicar esta expressão digna de Jornada nas Estrelas.

Dogmas são verdades acima de discussão, coisas como a existência de Deus ou o time do coração, e há muito mais de dogma na vida das pessoas do que elas reconhecem. Quando quase mil pessoas morrem nas serras do Rio porque construíram suas casas ilegalmente, o bom senso diria que precisamos enrijecer a lei. Ser dialético é dialogar com a realidade.

Já o dogmático não quer saber. As pessoas morreram ? Acabemos com o Código Florestal. O preço da soja está baixo ? Acabemos com o Código Florestal. Precisamos competir com a China ? idem, idem idem

É inútil tentar convencer que no longo prazo o maior beneficiado pela melhoria do solo, água e combate de pragas seria a própria agricultura, quando o dogma é multiplicar 30 m pela extensão do rio e pensar quantos dólares de soja são perdidos por ano.

Mas aqueles 30 m melhoram a produtividade de todo campo ! Os ruralistas querem acabar com o Código Florestal.

Se você ainda acha que esta é uma questão “que depende do ponto de vista”, é só porque a mídia tem colocado em pé de igualdade pesquisadores com décadas de experiência e produtores rurais com interesses próprios e de curto prazo como Kátia Abreu.

O que ganha, por exemplo, o Professor Gerd Sparovek da USP ao publicar estudo provando que há toda uma fronteira agrícola nas áreas degradadas pela agricultura ? Seu salário não aumenta, ao contrário, ele dá a cara a bater por uma idéia. De toda forma, será difícil bater no “Dr Comprido”. Quem estudou com ele viu que desde tenra idade ele não se engana fácil.

Mostre-me um único pesquisador a favor da mudança do código que não seja proprietário de terras e eu próprio me tornarei um dogmático a favor de derrubar a floresta ripária para plantar soja.

A humanidade levou só 100 anos para livrar-se do flagelo milenar do escravagismo. Muito mais rápido hoje podemos nos livrar do pensamento anti- ambiental de curto prazo, mas para isso precisamos parar de ouvir aqueles que gritavam que a agricultura iria acabar sem os escravos, assim como seus bisnetos que repetem agora que a agricultura vai acabar se cuidarmos do ambiente do qual ela própria depende.

Efraim Rodrigues, Ph.D. (efraim{at}efraim.com.br), colunista do EcoDebate, é Doutor pela Universidade de Harvard, Professor Associado de Recursos Naturais da Universidade Estadual de Londrina, consultor do programa FODEPAL da FAO-ONU, autor dos livros Biologia da Conservação e Histórias Impublicáveis sobre trabalhos acadêmicos e seus autores. Também ajuda escolas do Vale do Paraíba-SP, Brasília-DF, Curitiba e Londrina-PR a transformar lixo de cozinha em adubo orgânico e a coletar água da chuva

EcoDebate, 08/02/2011



http://www.ecodebate.com.br/2011/02/08/dogmas-nao-sao-dialeticos-artigo-de-efraim-rodrigues/





Deputado Ricardo Tripoli aponta falta de amparo científico no novo' Código Florestal



Vice-líder do PSDB, o deputado Ricardo Tripoli (SP) voltou à tribuna da Câmara nesta quarta-feira (9) para abordar a proposta que modifica o Código Florestal Brasileiro (CFB). A matéria deverá ser apreciada pelo Plenário ainda este semestre


Na avaliação de Tripoli, o relatório aprovado ano passado pela Comissão Especial causa arrepio na comunidade científica. Segundo o parlamentar paulista, a reformulação do Projeto de Lei 1876/99 foi feita sem base científica.

A maioria da comunidade científica não foi consultada e a reformulação foi pautada em interesses unilaterais de determinados setores econômicos, apontou, ao se referir ao documento elaborado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pela Academia Brasileira de Ciências (ABC). O deputado citou que, numa ação conjunta, as entidades enviaram ofício ao relator da matéria, deputado Aldo Rebello (PC-doB-SP), ponderando que o aumento da produtividade não significa a expansão das fronteiras agrícolas.

Tripoli fez referência ao presidente da SBPC, Marco Antonio Raupp, e elogiou a iniciativa de Jacob Palis, da ABC. No documento, ambos ressaltam que é possível ganhar produtividade sem precisar incorporar novas terras. Segundo o deputado, o que o País precisa é de políticas de ordenamento do território que indiquem quais são as áreas a serem ocupadas para a produção agropecuária futura.

No discurso, Tripoli sublinhou que ao tentar minimizar os problemas do agronegócio, a proposta põe em risco a biodiversidade e os serviços ambientais prestados pela floresta. A anistia concedida a quem desmatou até julho de 2008 é um absurdo. O Código já tinha sido modificado em 1989, quando se usou o avanço do conhecimento científico para aprimorar a versão original. Não há por que agora dizer que quem devastou está perdoado. A restauração das terras tem de ser exigida. Se isso não acontecer, vão ocorrer novos desmatamentos, ressaltou.

Ainda de acordo com o parlamentar, a modificação do Código Florestal pode levar a um aumento de emissões de gás carbônico e à extinção de pelo menos 100 mil espécies. O número citado pelo deputado considera uma eventual perda de 70 milhões de hectares na Amazônia em decorrência da diminuição da Reserva Legal.

Vamos perder biodiversidade e nossas florestas não vão funcionar como deveriam. Haverá empobrecimento do solo, erosões, assoreamento de rios e danos irreparáveis em serviços ambientais das quais a própria agricultura depende, exemplificou.

O parlamentar paulista também avaliou que esses prejuízos poderão contribuir para aumentar desastres naturais ligados a deslizamentos em encostas, inundações e enchentes nas cidades e áreas rurais, como ocorrido recentemente na região Sudeste. Ao final do pronunciamento, Tripoli ressaltou que qualquer aperfeiçoamento ao Código Florestal que o Congresso Nacional promova deve ser conduzido à luz da ciência e com a definição de parâmetros que conservem um modelo econômico que priorize, sempre, a sustentabilidade.

(Assessoria do deputado)

http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=76332





9/2/2011



Belo Monte de escândalos e de ''específicas'' manobras



"Há quem diga que é uma causa impossível impedir a construção do mega-monstro e que ele seria útil ao desenvolvimento regional - como se fosse possível encontrar algum espectro de vida em algo que é, desde o surgimento, um projeto de morte", afirmam Iara Tatiana Bonin, doutora em Educação, professora da Universidade Luterana do Brasil - Ulbra, e Roberto Antonio Liebgott, vice-Presidente do Conselho Indigenista Missionário - CIMI.

Segundo Iara Bonin e Roberto Liebgott, "ao que parece, a primeira presidente mulher à frente do país pretende traçar em letras garrafais o seu nome no livro dos absurdos, ignorando o debate político e as diferentes posições em relação à Belo Monte".

Eis o artigo.

Mesmo com a intensa e ininterrupta onda de protestos contra a construção do Complexo de Belo Monte, o governo Dilma apressa o passo, impõe um ritmo de urgência a este e a outros projetos do PAC e inventa um novo tipo de licença para dar início ao mega-investimento. A “licença específica” concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) permite que a empresa Norte Energia S.A. (NESA) se instale no “sítio” de Belo Monte, faça terraplanagem e construa estruturas. Em outras palavras, permite que seja “suprimida a vegetação” de uma área de preservação permanente para que se implantem no local as primeiras peças de uma engrenagem de devastação que é, acima de tudo, uma incontestável prova do desrespeito aos direitos humanos e ambientais protegidos por um conjunto de leis e normas específicas.

Vale ressaltar que, conforme tem se pronunciado alguns especialistas em direito ambiental, existem apenas três formas de licença legalmente constituídas para a construção de qualquer obra deste porte: licença prévia, de instalação e de operação. Em função disso, o Ministério Público Federal entrou com uma ação civil pública, para impedir que essa manobra “específica” se concretize.

Há que se perguntar: sem o licenciamento definitivo, quem assumiria o risco de iniciar um empreendimento? Tal procedimento só se explica se imaginarmos que o Executivo já tem, previamente, certeza de que a obra será autorizada. Através de ações ilegais como esta recém-parida licença, a sombra desse monstruoso empreendimento se projeta como se fosse algo inevitável – ou mais um fato consumado!

Nesta onda de despautérios, o próprio presidente da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Márcio Meira, deixou de lado os pareceres técnicos emitidos pela Coordenação Geral de Gestão Ambiental e pela Diretoria de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável do órgão que preside e, no Ofício 013/2011, endereçado ao IBAMA, afirma que a FUNAI “não tem óbice” para a Licença de Instalação das obras iniciais do complexo de Belo Monte. Desse modo, o presidente do órgão indigenista oficial, que deveria resguardar e proteger os direitos dos povos indígenas e não os interesses desenvolvimentistas de setores “específicos”, não apresenta nenhuma objeção ao fato de serem iniciadas obras que afetam diretamente a vida dos povos Araweté, Apiterewa, Asurini, Xikrin, Kayapó, Juruna, Xipaia, bem como outros que possuem pouco tempo de contato com as populações vizinhas.

Há quem diga que é uma causa impossível impedir a construção do mega-monstro e que ele seria útil ao desenvolvimento regional - como se fosse possível encontrar algum espectro de vida em algo que é, desde o surgimento, um projeto de morte.

Há quem diga, também, que Belo Monte será uma obra devastadora e nociva, mas que seu impacto poderá ser mitigado se cumpridas as 40 condicionantes prometidas pelo Governo Federal. E o que se propõe, neste caso, é a intensificação das pressões para que algumas medidas compensatórias – relativas ao bem estar, à saúde, à educação – se estabeleçam e sirvam de anestésico para a grande chaga que há de se abrir.

Mas há, no entanto, uma multidão de pessoas que acreditam que a política energética brasileira pode ter outros traçados se for rediscutida e redefinida com participação popular. Para essas pessoas o que importa não é exigir que se cumpram condicionantes e sim que a obra seja interditada, considerada uma idéia insana, dessas que assombram nossos sonhos de um mundo mais justo e democrático. Belo Monte tem sido chamada, e não por acaso, de “Belo Monstro”, pois afeta a vida de populações indígenas, ribeirinhas e camponesas que vivem naquela região. Além dos irreparáveis danos sociais e de um impacto ambiental impossível de prever, ela teria um custo que, nem mesmo de um ponto de vista meramente econômico se justifica: a obra se inicia com R$ 19 bilhões emprestados do BNDES, mas os especialistas já antecipam que custará quase R$ 26 bilhões, dos quais, estranhamente se autoriza o empréstimo de 95,7% pelo mesmo banco. Em outras palavras, quem paga o preço – social, ambiental, econômico é o povo brasileiro.

Resta saber em nome de quê tal projeto é ainda considerado viável, e pode-se supor que existam muitos interesses (alguns, quem sabe, inconfessáveis) envolvidos na autorização de uma obra deste porte. Contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte há incontáveis manifestações protagonizadas pelos povos indígenas e por movimentos populares da região. Além disso, Mais de 600 mil pessoas do Brasil e do exterior também se manifestaram, através de petições organizadas pela Avaaz e Movimento Xingu Vivo para Sempre, dizendo não a esta monstruosidade. As petições foram entregues ao Governo Federal, em uma significativa mobilização realizada em Brasília nos primeiros dias do mês de fevereiro. A presidente da República não quis receber os manifestantes, apenas designou alguns assessores para informar que o diálogo está aberto. Mas que diálogo ela quer estabelecer se, na oportunidade de iniciá-lo, não recebeu os interlocutores?

Ao que parece, a primeira presidente mulher à frente do país pretende traçar em letras garrafais o seu nome no livro dos absurdos, ignorando o debate político e as diferentes posições em relação à Belo Monte. Neste caso, pode-se dizer que a presidente prepara uma espécie de terraplanagem para nivelar, homogeneizar e tornar compacto o solo fértil das controvérsias e lutas que envolvem os processos democráticos. Mas esta não é uma luta vencida, uma vez que há, no país e no mundo, uma multidão que se mobiliza para tornar possível a causa aparentemente improvável de parar Belo Monte!


http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=40504





12/2/2011



Licença para impactar: os conflitos na Saúde Ambiental



De um lado, grandes empreendimentos como a TKCSA, no Rio de Janeiro e Belo Monte, no Pará.

De outro, a população afetada e movimentos sociais que criticam os impactos socioambientais das obras, com sérios riscos à saúde e ao meio ambiente.

E o poder público, de que lado está ?

A reportagem é de Raquel Júnia, da Escola Politécnica de Sáude Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), e publicada no sítio da EPSJV, 10-02-2011.

Antes que se sinta o cheiro da fumaça dos alto fornos de uma siderúrgica ou se veja as turbinas funcionando de uma usina hidrelétrica, um caminho deve ser percorrido pelas empresas ou governos para conseguirem a autorização para os empreendimentos funcionarem. Pelo menos é assim que deveria ser de acordo com a legislação ambiental brasileira, para que se garanta que atividades e empreendimentos impactem negativamente o mínimo possível a população e o meio ambiente. Entretanto, no caso de obras como a da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, e a ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), no Rio de Janeiro, moradores, movimentos sociais e pesquisadores denunciam que as empresas responsáveis pelos empreendimentos pressionam os governos para pegarem "um atalho", o que, antes mesmo do pleno funcionamento e instalação das empresas, já vem prejudicando as populações locais e o meio ambiente.

No ultimo dia 7 de fevereiro, um seminário em Brasília reuniu cerca de 300 participantes, entre eles povos indígenas, ribeirinhos, pesquisadores e movimentos sociais contrários à construção de Belo Monte. Os manifestantes entregaram à Presidência da República um abaixo assinado com mais de 500 mil assinaturas contra a obra. Recentemente, a empresa Eletronorte, responsável pela construção de Belo Monte, recebeu uma licença parcial do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para começar a instalar o canteiro de obras do empreendimento, ação questionada inclusive pelo Ministério Público Federal no Pará. "Não existe em lugar nenhum na legislação, a possibilidade de se criarem parcelas da licença de instalação. Como a legislação não prevê essa licença parcial, o Ibama fica sem uma base para dizer o que ele pode ou não exigir. Ele [o Ibama] não exige tudo porque diz que não está dando licença completa. E não há uma regra interna do Conama [Conselho Nacional de Meio Ambiente], ou seja de quem for, que diz quais são os elementos necessários para que ele dê essa parcial. Por isso, ele fica com um grau de arbítrio muito grande e nós não temos como controlar", critica o procurador do Ministério Público Federal no Pará, Ubiratan Cazetta.

No Rio de Janeiro, no final do ano passado, a TKCSA, com a autorização da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEA) e o governo do estado do Rio de Janeiro, descumpriu um acordo firmado entre o Ministério Público Estadual e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) que condicionava o funcionamento do segundo alto forno da siderúrgica à realização de uma auditoria. A auditoria foi determinada diante do fato de já terem ocorrido problemas de poluição ambiental em Santa Cruz, provenientes da entrada em operação do primeiro alto forno do complexo siderúrgico. No dia 26 de dezembro, uma forte poluição atingiu as casas da região. "A TKCSA tem um discurso de que só houve poluição no dia 26 de dezembro, mas quando você vai lá, você vê que todos os dias há poeira no ar, partículas prateadas. No dia 26 houve mais, mas a poluição lá é constante", denuncia Karina Kato, pesquisadora do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS), instituição que vem acompanhando os impactos do empreendimento.

Para o pesquisador da Escola Nacional de Saúde Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz) e membro da Rede Brasileira de Justiça Ambiental Marcelo Firpo, pressões econômicas e políticas têm apressado o licenciamento de obras de grande porte, como a TKCSA e Belo Monte, com sérios impactos para a saúde da população e o meio ambiente. "Existe uma série de grandes empreendimentos no setor hidrelétrico, siderúrgico, de mineração, de infraestrutura - como a transposição do Rio São Francisco e a construção de rodovias - extremamente complexos e que podem gerar vários impactos à saúde da população, dos trabalhadores e dos ecossistemas. A velocidade com que o licenciamento vem sendo dado em função das pressões econômicas e políticas tem passado por cima da seriedade e do aprofundamento da análise desses impactos à saúde e também outros impactos socio-ambientais, que também terão repercussões sobre a saúde", analisa.

O pesquisador considera também que as instituições responsáveis por licenciar e fiscalizar as obras muitas vezes se mostram vulneráveis. "Em várias situações existe uma vulnerabilidade institucional e um déficit de aplicação de políticas públicas que vem permitindo que principalmente grandes empreendimentos estejam numa velocidade de licenciamento que é inadequada em relação aos possíveis impactos sobre as gerações atuais e futuras", reforça.

Como funciona o licenciamento

A resolução 001 do Conama cita 18 atividades que são consideradas "modificadoras" do meio ambiente, e que, portanto, precisam de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (Rima) para que tenham uma licença prévia de funcionamento. Entre as 18 atividades estão estradas, ferrovias, portos, aeroportos, linhas de transmissão de energia, hidrelétricas, complexos e unidades industriais e agroindústriais, como as siderúrgicas. O Conama foi instituído pela Lei 6.938/1981 , que também implantou a política nacional de meio ambiente. "Essa lei foi um marco histórico e divisor de águas na política ambiental do Brasil. É a partir dela que se constitui, além dos estudos (de impacto ambiental), o próprio Conama, e o sistema de regulamentação no nível federal e as suas implicações nos níveis estadual e municipal", explica o pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Alexandre Pessoa.

Estão previstas na legislação três fases de licenciamento para obras consideradas de impacto - a licença prévia, a licença de instalação e a licença de operação. Em cada uma dessas etapas, o responsável pelo empreendimento pode ser obrigado a cumprir uma série de exigências - as chamadas condicionantes - que são ações do empreendedor para minimizar os impactos da obra na região. Colocar em prática um plano de qualificação da mão de obra local ou ampliar a capacidade da rede coletora de esgoto são exemplos de duas ações que podem fazer parte das condicionantes que a empresa responsável pela obra precisa cumprir. A resolução 001 do Conama prevê também que sejam realizadas audiências públicas para informações sobre o projeto, seus impactos ambientais e discussão do Rima. E, de acordo com a resolução 009 , também do Conselho, as audiências devem ser realizadas sempre que o órgão ambiental julgar necessário, ou quando for solicitado por entidade civil, pelo Ministério Público, ou por 50 ou mais cidadãos. A mesma resolução afirma ainda que, caso a audiência pública seja solicitada e o órgão ambiental não a realize, a licença concedida não terá validade.

Apesar dos avanços na legislação, o pesquisador Alexandre Pessoa considera que as audiências públicas são usadas, muitas vezes, apenas para referendar os grandes empreendimentos. Ele alerta sobre a importância do controle social da população afetada nos passos do licenciamento. "O papel do controle social, que é uma prerrogativa legal, que diversas legislações colocam como um elemento necessário, deve ser viabilizado e o estado tem que ser permeável a isso, exatamente para que o detalhamento e as alternativas a determinados empreendimentos sejam consideradas nos estudos. Essa situação já faz parte da história dos grandes empreendimentos no Brasil e dos interesses do capital internacional e o cenário atual ratifica essa tendência histórica de dificultar o controle social. E isso coloca em relação direta o interesse público que deveria ser pauta do Estado e os interesses privados de uma burguesia nacional que é extremamente patrimonialista e que requer grande acúmulo de capital em detrimento da saúde ambiental", analisa.

No caso de Belo Monte, há uma forte reclamação dos indígenas da região justamente com relação à participação no processo de decisão sobre a viabilidade da hidrelétrica. De acordo com a pesquisadora da Universidade Federal do Pará e antropóloga Sônia Magalhães, os direitos dos povos indígenas previstos na Constituição Brasileira estão sendo desrespeitados. "Os indígenas tem uma legislação específica nacional e internacional que não foi respeitada e isso inclusive é objeto de ação do Ministério Público, já que não houve as oitivas indígenas conforme está recomendado na legislação. É uma violação clara de direitos", denuncia.

De acordo com a professora, também houve irregularidades nos processos das audiências públicas realizadas para a população em geral. Sônia critica o fato de apenas quatro audiências terem sido feitas, ambas em núcleos urbanos e sem que a população estivesse esclarecida sobre o assunto em discussão. "Até 48 horas antes de começar a audiência havia estudos referentes a Belo Monte sendo disponibilizados na página eletrônica do Ibama. Mas na página do Ibama não quer dizer que está disponível, especialmente para essa população que não tem acesso a esse meio de informação", questiona.

A pesquisadora explica que parte da população que será atingida por Belo Monte não está nos núcleos urbanos e que a dificuldade de locomoção na região é grande, como ocorre em toda a Amazônia. Ela conta que houve uma iniciativa de se divulgar um documento impresso sobre Belo Monte nos núcleos urbanos onde foram realizadas as audiências, entretanto, a medida não foi suficiente para garantir que a população estivesse informada. "Foi feita uma brochura que eu qualifico de midiática, que foi mais para fazer a divulgação do empreendimento e menos para fazer o esclarecimento dos estudos de impacto. Além disso, essa brochura foi distribuída apenas nos núcleos urbanos e mesmo essa população não tem uma tradição de interpretar os acontecimentos a partir de documentos escritos. Em geral a forma de ela ter acesso à informação sobre os acontecimentos e discuti-los é pela forma oral", relata.

A pesquisadora faz parte de um painel de especialistas vinculados a diversas instituições de ensino e pesquisa que analisaram o Estudo de Impacto Ambiental de Belo Monte e identificaram "graves problemas e sérias lacunas" no estudo. Entre as constatações, está a inadequação do conceito de 'atingido' utilizado no EIA. Sônia explica: "Essa barragem tem uma singularidade: além de inundar, ela seca um trecho importante do rio, de mais de 100 quilômetros e essa população que está à beira do leito do rio, não apenas do rio Xingu, mas também de um dos seus mais importantes afluentes, não foi considerada como afetada pelo empreendimento. Só foi considerada como afetada a população que está na área que será inundada. E esse conceito não responde às especificidades da barragem de Belo Monte. Esse é um grande problema porque no momento em que se utilizam conceitos inadequados para dar conta da realidade, a realidade foge da perspectiva analítica", critica. Para a pesquisadora, as conseqüências dessa desvirtuação de conceitos são muito graves. "Num caso como este, isso significa não considerar uma parcela muito grande da população entre os atingidos. E as consequências são muito amplas porque dizem respeito à violação de direitos, à subestimativa de impactos e também à potencialidade de conflitos sociais que essa não consideração oportuniza", alerta.

Falta controle social também na TKCSA

A falta de participação da população nas decisões sobre os empreendimentos de impactos ambientais se repete no caso da ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico, em Santa Cruz, no Rio de Janeiro. A TKCSA possui a licença provisória e também a licença de instalação, mas não a licença de operação, que é a ultima fase no processo de licenciamento. Moradores da região criaram um movimento para tentar impedir que a empresa continue a funcionar. "As audiências públicas foram esvaziadas e principalmente a empresa trazia pessoas de fora da região para apoiar. Há denúncias inclusive de que a empresa pagava essas pessoas para estarem na audiência pública. As perguntas dos participantes deveriam ser enviadas para a mesa por escrito e eles escolhiam quais seriam respondidas. Quando os moradores questionavam alguma coisa, eles enrolavam, usavam uma linguagem científica que não era acessível aos pescadores e moradores e não respondiam", conta Karina Kato.

Questionado sobre as críticas a respeito do funcionamento das audiências públicas para grandes empreendimentos, o Inea respondeu, por e-mail, que de fato esse instrumento tem apresentado problemas. "Infelizmente, nos últimos anos, as audiências públicas realizadas em nosso estado não têm cumprido o seu relevante papel que é de esclarecimento, transparência e participação social, já que muitas vezes tem sido interpelada por grupos de interesses distintos que não permitem que as audiências transcorram de forma civilizada, o que não significa dizer que elas ‘serviriam apenas para referendar a implementação já definida da obra', respondeu a diretora da Diretoria de Licenciamento Ambiental (Dilam) do Inea, Ana Cristina Henney. De acordo com ela, o Inea está reformulando os procedimentos de realização das audiências públicas. "Tais reformulações têm contado com a participação da Ceca [Comissão Estadual de Controle Ambiental], do Ibama, do Crea [Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia], do Ministério Público Estadual, além do Inea, cujo resultado final será a edição de uma Resolução do Conama, que, a propósito, está em vias de conclusão", informou.

De acordo com os pesquisadores consultados, o estudo e o relatório de impacto ambiental da TKCSA também apresentam uma série de inconsistências. "O Rima é altamente deficiente, e essa deficiência é de tal gravidade que considero que somente após a apresentação de um novo estudo de impacto ambiental a licença eventualmente poderia ter sido dada e não nas condições inicialmente colocadas", afirma Marcelo Firpo. Alexandre Pessoa lembra ainda que a própria Fiocruz realizou um estudo que mostra que há graves lacunas no relatório de impacto ambiental da TKCSA no que se refere à saúde das populações localizadas no território, em especial das comunidades de baixa renda situadas próximas ao complexo siderúrgico. "As últimas ocorrências em termos de poluição atmosférica no território de Santa Cruz não podem ser consideradas como acidente e sim como consequência de um licenciamento que não levou em consideração a consecução de estudos ambientais consistentes, situação que passa a ser nociva para a saúde pública e ambiental", diz.

Agilidade X Consistência na Avaliação dos Impactos Ambientais

Caso o projeto de Belo Monte se concretize, a usina será instalada no rio Xingu, a 40 quilômetros da cidade de Altamira, no Pará. Os dois reservatórios da usina contabilizarão no total 516 Km2. A licença parcial que o consórcio Norte Energia recebeu do Ibama autoriza a empresa a instalar canteiro de obras e alojamentos com a autorização de desmatamento de 238 hectares para construir as instalações. O Ministério Público Federal questionou a emissão da licença e há um processo em curso para que a instalação do canteiro seja suspensa. Para o promotor Ubiratan Cazetta, o processo de licenciamento da usina apresenta vários problemas, já que a empresa não cumpriu as condicionantes apontadas pelo Ibama para que a obra desse prosseguimento. "Algumas das coisas que deveriam ter sido estudadas desde o início para a concessão da licença prévia o Ibama entendeu que não eram necessárias, que daria para conceder a licença prévia e os estudos seriam feitos antes da licença de operação. Mas o correto seria cumprir todas as condicionantes que foram exigidas, demonstrar que já tinham sido preenchidos todos os pré-requisitos para, aí sim, obter a licença de instalação, fazer o canteiro e já ir para a obra", explica.

Questionado sobre o fato de o órgão ter emitido uma licença parcial, o Ibama respondeu que o procedimento já foi considerado legal em outras situações. "O Ibama analisa processos de licenciamento por solicitação dos empreendedores. Nesse caso o pedido de licença era para os canteiros e instalações afins. A Licença de Instalação da Usina ainda está sob avaliação. Em outras ocasiões a emissão de licença para atividades associadas foi contestada, mas a justiça considerou legal o procedimento", respondeu o órgão, por e-mail, via assessoria de imprensa.

O instituto alega ainda que 24 das 40 condicionantes - ou seja, ações que a empresa deveria colocar em prática para dar prosseguimento à obra - já foram cumpridas. "Foram cumpridas 24 condicionantes que tinham relação com essa etapa do licenciamento, entre elas, ações antecipatórias nas áreas de saúde, educação e saneamento a fim de preparar a região para receber o empreendimento e o correspondente afluxo migratório que deverá envolver cerca de mil pessoas nesta etapa. Foi avaliado que as demais 16 condicionantes não eram pertinentes ao presente pedido de Licença de Instalação por não estarem associadas aos impactos previstos para essas instalações específicas. Mas o empreendedor terá que cumprir as condicionantes previstas na Licença Prévia para que o Ibama autorize a construção da hidrelétrica", afirmou o órgão.

Ubiratan critica, no entanto, a forma como as condicionantes foram elaboradas. "O que impressiona, e impressiona mal, é que essas condicionantes foram feitas na licença prévia de tal forma genéricas que permite que o Ibama mude essas condicionantes cada vez que as analisa. Então, por exemplo, está escrito lá: resolver a questão do saneamento no município de Altamira. Como é uma condicionante muito genérica, na hora em que vamos discutir , o Ibama fala: ‘mas isso tem que ser feito em dez anos'. Só que não se colocou na condicionante claramente quais eram os prazos e resoluções. Então, da forma como isso foi utilizado em Belo Monte e em outros casos de grandes empreendimentos, a redação das condicionantes permite leituras diferentes", observa. De acordo com o promotor, a cidade de Altamira, no Pará, que sofrerá grandes impactos já com a instalação do canteiro de obras, não está preparada para o empreendimento. O Ibama diz que nessa fase cerca de mil trabalhadores serão atraídos para a região, mas, de acordo com o promotor, cerca de 8 mil pessoas já se deslocaram para a cidade desde que o empreendimento conseguiu uma licença prévia, em fevereiro de 2010. "Com o início do canteiro e com o começo da ideia de que irá contratar alguém, obviamente esse volume de pessoas irá aumentar significativamente. Qual é o problema disso? É uma cidade que, independentemente da obra, já tem problemas crônicos e seríssimos na área hospitalar, tem um péssimo serviço de saúde pública, problemas sérios de habitação, de saneamento básico", afirma.

A resolução 001 do Conama descreve também quais são as atividades técnicas que minimamente devem ser desenvolvidas pelo Estudo de Impacto Ambiental: "Análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas, através de identificação, previsão da magnitude e interpretação da importância dos potenciais impactos relevantes, discriminando: os impactos positivos e negativos (benéficos e adversos), diretos e indiretos, imediatos e a médio e longo prazos, temporários e permanentes; seu grau de reversibilidade; suas propriedades cumulativas e sinérgicas; a distribuição dos ônus e benefícios sociais".

Para Alexandre Pessoa, tem havido, no entanto, uma flexibilização na legislação ou para que o estudos e relatórios de impacto ambiental não abranjam de forma detalhada todas essas atividades ou então para que sejam realizados apenas relatórios ambientais simplificados. O pesquisador afirma que existe um discurso muito forte por parte da mídia comercial e também por parte dos governos da necessidade de agilidade nos processos de licenciamento de grandes empreendimentos considerados essenciais para o desenvolvimento do país. E isso em detrimento da consistência dos estudos e exigências ambientais. "A agilidade do licenciamento de fato é necessária e se dá a partir do momento em que os órgãos de controle ambiental, enquanto instituições públicas, nas esferas federal, estadual e municipal tenham um quantitativo adequado de profissionais capacitados para que possam avaliar todas as etapas de licenciamento e realizar as atividades permanentes de fiscalização.

No caso do Rio de Janeiro, a própria criação do INEA, a partir da união da FEEMA [Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente] com outros órgãos estaduais trouxe a promessa do fortalecimento do controle ambiental, enquanto política pública. O fato é que o discurso de agilização e flexibilização da legislação ambiental não pode em hipótese nenhuma ferir os critérios que esses estudos ambientais precisam ter em termos de abrangência e profundidade. Essa flexibilização está sendo exemplificada inclusive com novas legislações casuísticas, que tendem a acelerar através dos estudos ambientais simplificados obras que pela sua magnitude causam riscos potenciais ao ambiente e à saúde da população, comprometendo a sustentabilidade socioambiental", problematiza.

A pressa no licenciamento ambiental também parece existir no caso da TKCSA. A Secretaria de Estado do Ambiente (SEA) usou como justificativa para permitir o funcionamento do segundo alto forno da siderúrgica um laudo emitido por uma empresa de auditoria que, de acordo com reportagem publicada no próprio Inea no dia 21 de dezembro de 2010 "atestou como seguras as condições de funcionamento do equipamento". Dessa forma, a Secretaria contrariou o acordo firmado entre Ministério Público Estadual e o Inea, que condicionava a continuidade dos trabalhos na siderúrgica a uma auditoria plena que concluiria os trabalhos em até 60 dias. "Esse acordo entre o Inea o Ministério Público foi desconsiderado pela Secretaria do Ambiente, em razão de recurso interposto pela TKCSA em que ela apontava que a partilha do alto forno 2 não traria nenhum tipo de problema", explica o promotor de Justiça Marcus Leal, titular da 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Meio Ambiente do Rio de Janeiro. Entretanto, no dia 26 de dezembro, pouco tempo depois, a população de Santa Cruz novamente se deparou com uma poluição além do habitual no meio ambiente. De acordo com Marcus Leal, o episódio é grave e está sendo apurado.

O Inea informou "que não descumpriu qualquer acordo com o Ministério Público, já que não autorizou a operação do forno 2". De acordo com a diretora do órgão, Ana Cristina Henney, "esta decisão foi tomada, à época, pela SEA baseada na auditoria realizada". Para Ana Cristina, é possível dar celeridade aos procedimentos de licenciamento ambiental sem que, com isso, se comprometa a qualidade das exigências ambientais. "Obviamente que qualquer que seja o empreendimento, com ou sem impactos ambientais relevantes, espera-se que os órgãos ambientais sejam ágeis em suas avaliações, o que é perfeitamente legítimo. Porém isso não significa dizer que tenhamos que prejudicar não só a consistência das exigências ambientais, como a qualidade de nossas avaliações", afirma. "Não pode ser admissível que um empreendimento ou atividade que pretenda se implantar em um estado precise aguardar, muitas vezes, anos para ter o seu pedido deferido ou indeferido", complementa.

Entretanto, para pesquisadores e movimentos críticos à atuação da TKCSA e ao processo de licenciamento da empresa a consistência das exigências ambientais tem sido sim prejudicada. Karina Kato critica o processo de auditoria em curso na empresa, realizada por uma empresa concorrente, a Usiminas, cuja independência necessária para gerir o processo tem sido questionada. "Nós não temos nenhuma informação sobre como foi feita essa escolha. E a Usiminas é totalmente ligada à Vale, que é uma das controladoras da CSA. A Vale até 2008 já teve ações diretas na Usiminas, depois vendeu. Atualmente o Previ, que é o fundo de pensão dos trabalhadores do Banco do Brasil, tem participação na Vale e na Usiminas. E agora, na sucessão do Agnelli [Roger Agnelli, presidente da companhia Vale], um dos nomes cotados para ser presidente da Vale é do atual presidente da Usiminas. Então, não há uma independência nessa auditoria, por mais que eles falem que é independente. O que há, na verdade, é um grande acordo para que essa auditoria saia favorável à empresa e para que a licença de operação que está condicionada a essa auditoria seja concedida agora no final de fevereiro", afirma Karina.

De acordo com Marcus Leal, a Usiminas foi escolhida por indicação da Secretaria do Estado do Ambiente. "Quem está na presidência deste procedimento é o Inea, que é um órgão ligado a Secretaria do Estado do Ambiente. São eles que estão com a responsabilidade de realizar esse trabalho, o Ministério Público está na posição de acompanhar o trabalho. Qualquer situação que nos leve à conclusão de que houve favorecimento da TKCSA pelo fato de a auditoria ter sido realizada por uma empresa cuja formação do seu capital social é semelhante ou inclui uma outra sociedade que também faz parte do seu quadro societário será tratado de acordo com a lei, imputando responsabilidade civil, penal e administrativa àquele técnico, profissional ou àquela empresa que tenha omitido algum tipo de informação relevante ou que tenha feito uma afirmação com base em dados falsos", garante o promotor.

A diretora de licenciamento do Inea também foi questionada sobre por que a Usiminas foi escolhida para realizar a auditoria. Entretanto, Ana Cristina respondeu apenas que "a Usiminas possui certa expertise" e que "quanto ao componente saúde ocupacional e gestão ambiental interna, estamos avaliando quais instituições poderão protegê-las".A TKCSA já foi multada duas vezes pelo Inea e, segundo Ana Cristina, o instituto continuará fazendo vistorias periódicas e constantes na empresa. "O Inea só emitirá parecer favorável à operação da empresa quando tiver segurança de que todas as medidas de controle estão com a eficiência desejada e necessária", comprometeu-se.

Procurada pela EPSJV, a Secretaria de Estado do Ambiente do Rio de Janeiro não respondeu às perguntas encaminhadas.

Alternativas aos grandes empreendimentos

A desconfiança em relação à auditoria em curso na TKCSA aponta a necessidade de se definirem parâmetros mais exatos de como esses processos devem ser feitos. Para Alexandre Pessoa, o ideal é que instituições públicas fossem responsáveis por esse tipo de avaliação. "A gravidade dos fatos exige uma auditoria ambiental idônea, que busque a responsabilização sobre o ocorrido, as análises de riscos à saúde envolvidas e, para isso, seria necessário que auditorias desse tipo fossem feitas por instituições públicas, de pesquisa como universidades públicas, menos permeáveis à influência econômica e política das empresas", sugere. Marcelo Firpo concorda: "Seria muito importante que o Inea e o Ministério Público tornassem mais claros os critérios de escolha e as formas que estão sendo implementadas para garantir autonomia e independência dessa auditoria na CSA, por exemplo. O poder público pode consentir ou concordar que uma instituição ou grupo de especialistas realize avaliações desse tipo, o que não pode é essa avaliação ser realizada por grupos com critérios que não sejam transparentes em relação à sua idoneidade e independência. Poderia ser um conjunto de instituições, um grupo de profissionais, pesquisadores renomados, etc".

A mesma resolução 001 do Conama que estabelece as diretrizes para a avaliação de impacto ambiental dos empreendimentos afirma que a hipótese de não realização das obras deve constar como dos Relatórios de Impacto Ambiental. O 5º parágrafo do artigo 9 da resolução afirma que o Rima deve avaliar "a caracterização da qualidade ambiental futura da área de influência, comparando as diferentes situações da adoção do projeto e suas alternativas, bem como a hipótese de sua não realização". Para o promotor Ubiratan Cazetta, o questionamento sobre se a obra seria ou não viável não foi feito de forma adequada no caso de Belo Monte. "Essa é uma pergunta que se faz na fase da licença prévia. Qual é a melhor opção? Fazer ou não fazer a obra? Em tese, essa pergunta foi respondida com a concessão da licença prévia. Mas por que eu digo em tese? Primeiro porque temos muitas críticas à forma de condução dessa licença prévia. Há inúmeras ações judiciais em andamento. E também, independentemente disso, as tais condicionantes já responderiam à pergunta [sobre fazer ou não a obra]. Se o empreendedor não cumprisse as condicionantes, a obra não sairia do papel, mas as condições não estão sendo cumpridas e mesmo assim o Ibama vai concedendo uma licença de instalação parcial", aponta.

Questionado pela EPSJV se a hipótese de não realização de Belo Monte ainda estava em consideração mesmo diante das inúmeras críticas e do abaixo assinado contrário à hidrelétrica entregue pelos indígenas à presidência da república, o Ibama respondeu que "está avaliando com muito rigor as questões afetas as populações e possui, no caso dos indígenas, a anuência da Funai. Também está sendo considerado o benefício para as populações que serão removidas das palafitas e passarão a ter saneamento básico". O órgão respondeu ainda que nem todos os indígenas são contrários à obra. "O licenciamento ambiental nunca será unanimidade. Assim como há indígenas contrários ao empreendimento também há aqueles que são a favor. O debate faz parte dos processos democráticos e o incentivamos. Alguns elementos que surgem dessas discussões, por vezes, nos auxiliam na tomada de decisões. E é somente depois de concluídas as análises dos estudos de impacto ambiental que saberemos se o Ibama emitirá ou não uma licença", garantiu.

Para Alexandre Pessoa, a posição das populações afetadas por esses grandes empreendimentos é frágil. "Essa sociedade patrimonialista tem ainda um diferencial hoje no neoliberalismo que é a grande influência das transnacionais, que desempenham um papel muito forte sobre o Estado que, por sua vez, acaba tomando em alguns momentos uma posição vacilante ou subserviente", avalia. De acordo com o pesquisador, no caso da TKCSA, se fosse considerada de forma séria a hipótese de não construção da siderúrgica, como prevê a resolução do Conama, outras opções concorreriam com o empreendimento. "O estudo com critérios técnicos, auditorias ambientais e com a participação inclusive das instituições de pesquisa e setores das universidades, poderia revelar, problematizar e pedir revisão dos estudos. A área onde se localiza a TKCSA tem vocação pesqueira, grandes áreas verdes disponíveis, então, este estudo poderia considerar que um turismo sustentável, por exemplo, poderia ser mais interessante para os moradores do que a siderúrgica", afirma.

Para Marcelo Firpo, a legislação ambiental possui lacunas no que se refere à avaliação da saúde das populações atingidas, já que os órgãos ambientais têm pouca experiência e formação para avaliar esses impactos específicos. Outra lacuna, segundo o pesquisador, está relacionada à participação da sociedade civil nos processos de avaliação e licenciamento. Ele lembra que há uma proposta do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) da Universidade Federal do Rio de Janeiro que amplia a participação das populações envolvidas. "É uma proposta chamada ‘avaliação de equidade ambiental', que significa aumentar a participação das populações atingidas e movimentos sociais no processo de licenciamento e também impedir que esse empreendimento agrave vulnerabilidades e desigualdades frente aos impactos produzidos", explica. Mas, para Firpo, a vontade política já resolveria grande parte dos problemas de licenciamento ambiental. "Apesar dessas lacunas, a legislação atual seria suficiente para ser mais rigorosa caso houvesse disposição do Executivo em implementá-la", reforça.

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10/2/2011


Plano Nacional de Resíduos Sólidos: ''prevenção é o norte da política''. Entrevista com Lina Pimentel





O decreto que regulamentou a Política Nacional de Resíduos Sólidos “fixou conceitos, delimitou as responsabilidades e tratou do poder público no âmbito da responsabilidade compartilhada, das cooperativas, ou seja, deu norte mais claro para os conceitos da nova política, a qual já traz novidades para o mundo institucional e jurídico”, avalia Lina Pimentel, em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone. Apesar de o plano não estabelecer metas e prazos especificos para os setores, ele abre oportunidade para a negociação, que, segundo a advogada, “é o procedimento mais correto (...) para que se evitem questionamentos posteriores da validade do documento”.

De acordo com a advogada, outro aspecto relevante da Política Nacional de Resíduos Sólidos é o alerta em relação à responsabilidade do poder público diante da falta de aterros sanitários no país, um dos maiores gargalos brasileiros no que se refere a resíduos sólidos. “Quantas autuações administrativas por parte dos órgãos ambientais e interdições se têm contra o próprio poder público municipal?”, questiona.

O consumo exacerbado e o uso excessivo de embalagens também são aspectos que precisam ser revistos, aponta. Investir em prevenção e conscientização é o caminho viável para que a população entenda o que acontece quando o lixo não é separado. Por isso, explica, “reduzir a geração de resíduos e prevenir as próximas gerações” é uma tarefa a ser desempenhada.

Lina Pimentel é graduada em Direito pela Universidade Paulista (UNIP/SP). Atualmente, cursa pós-graduação em Direito Ambiental na Escola Superior de Direito Constitucional (ESDC). É gerente da Divisão de Estudos e Pareceres Legislativos do Departamento Jurídico da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB), ligada à Secretaria do Meio Ambiente do governo paulista.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que significa a postergação para junho das metas do Plano Nacional de Resíduos para reciclagem de resíduos sólidos?

Lina Pimentel – A reportagem que menciona a postergação talvez tenha sido mal informada ou compreendida de maneira equivocada pelos leitores. Na verdade, há uma postergação do prazo para a apresentação do Plano Nacional de Resíduos Sólidos. Ele não contempla metas específicas para os setores, mas trata do tema de uma maneira mais aberta e, portanto, as metas específicas para a redução podem estar contidas nos acordos setoriais.

De acordo com o artigo 47 do decreto que regulamentou a política, “a elaboração do Plano Nacional de Resíduos Sólidos deverá ser feita de acordo com o seguinte procedimento: formulação e divulgação da proposta preliminar em até 180 dias, contados a partir da publicação desse decreto.” Então, segundo essa informação, o prazo encerra em junho.

Procedimentos

Em fevereiro, o governo deve estruturar o comitê interministerial, instância criada juntamente com o comitê orientador, que irá gerir a política em várias frentes como as políticas públicas, que avaliarão os planos municipais, estaduais e regionais de coleta seletiva, além do plano nacional. O comitê também irá tratar com o setor privado, provocando a logística reversa, que é o recolhimento dos materiais após seu uso pelo consumidor. Então, alguns produtos já elencados pela lei e pelo decreto estão colocados como sujeitos da responsabilização pós-consumo da cadeia. Isso será formalizado por três meios diferentes: os acordos setoriais, firmados entre os setores produtivos, de distribuição e comércio, além do poder público; por meio da secretaria executiva do comitê do Ministério do Meio Ambiente; e através dos termos de compromisso, firmados quando não se abrange um nível setorial no âmbito do acordo – quando uma ou duas empresas quiserem estabelecer um sistema de logística reversa com o poder público, para cumprirem com os ditames, elas poderão estabelecer termos de compromissos. Também é possível conduzir essas metas por meio de regulamentos, que são atos do poder executivo a partir de um decreto, por exemplo.

Metas

As metas podem ser numéricas ou quantitativas. Existem também as metas estruturais, quer dizer, como a logística reversa passa por uma série de providências até alcançar efetivamente um retorno e uma meta numérica para se buscar, é preciso unir as empresas de um mesmo setor, unir comerciantes, estudar os aspectos fiscais, de segurança do trabalho, seja para o gerenciamento de determinados resíduos, seja para a integração de cooperativas. Ou seja, uma série de metas numéricas surgirá por meio desses instrumentos que eu citei.

O procedimento mais correto é a negociação: os setores estudam o que é possível, quais as condições, os aspectos técnicos, as especificidades das classes de resíduos e, a partir disso, o poder público vai imputando expectativas e se chega a um acordo viável. Parte da responsabilidade também é do consumidor e do poder público. Então, tem uma série de atividades a serem contempladas no âmbito das negociações para que se evitem questionamentos posteriores da validade do documento.

IHU On-Line – Como a senhora vê o decreto que regulamentou a Política Nacional de Resíduos Sólidos?

Lina Pimentel – Muitas pessoas não gostaram do decreto. De fato ele não traz prazos, metas. Porém, penso que é mais amplo para não engessar o processo. Ele fixou conceitos, delimitou as responsabilidades e tratou do poder público no âmbito da responsabilidade compartilhada, tratou das cooperativas, ou seja, deu norte mais claro para os conceitos da nova política, a qual já traz novidades para o mundo institucional e jurídico. Tinha receio de que, na medida em que o decreto viesse extremamente detalhado, não estivesse em consonância com as dificuldades do setor privado. O decreto tomou o cuidado de abordar questões que já são viáveis. Também foi feliz numa série de conceitos, os quais foram explicados. Está claro que o poder público tem um dever muito importante na comunicação social sobre risco acerca do mau gerenciamento de resíduos. Quer dizer, quando o setor privado está sujeito à política reversa, ele precisa ter, entre as atribuições, um setor de comunicação para atender o consumidor, de modo a orientá-lo sobre as regras atribuídas a determinado produto ou embalagem. O setor privado estava atuando sozinho nisso. A partir do decreto, ficou evidente a participação do poder público na educação ambiental.

O grande problema na Europa, onde já foram implantadas várias metas, é sempre o consumidor. É difícil se mobilizar para um ponto de coleta e absorver isso na dinâmica da vida. Tudo isso acontece depois de uma fase de maturação, da instituição de uma política nova como esta que está sendo implantada, mas, também, a partir de uma educação ambiental. Então, a integração dessa política com outras é interessante.

IHU On-Line – Qual o principal problema do Brasil em relação aos seus resíduos sólidos?

Lina Pimentel – O principal problema é a falta de aterros sanitários para depositar lixo comum. Quantas autuações administrativas por parte dos órgãos ambientais e interdições se têm contra o próprio poder público municipal? A lei tem como alvo principalmente acabar com os lixões e aterros controlados. Isso significa planejar os lixões e as ocupações no entorno. A prevenção é o norte da política; existem frentes para remediar situações geradas ao longo do tempo. Além disso, temos uma tarefa grande enquanto consumidores e empresas de reduzir a geração de resíduos e prevenir as próximas gerações. Não adianta fazer aterros regulares e enviar uma enorme quantidade de resíduos para esses locais. O problema é o consumo exacerbado, o excesso de embalagens e a geração de lixo individual de cada cidadão. Acredito que o objetivo macro dessa política é lidar com a situação passada, visando uma prevenção para o futuro.

IHU On-Line – Qual a responsabilidade do consumidor quanto à destinação dos resíduos?

Lina Pimentel – Desde a edição da lei, em agosto, o consumidor é, de forma compartilhada, responsável pelo gerenciamento dos resíduos. O decreto deixou claro que a responsabilidade do consumidor acontecerá para disponibilizá-los para a coleta ou devolução. Então, quando tiver um acordo setorial sob determinado resíduo e for estabelecido um ponto de coleta, o consumidor precisará devolver. Como isso irá impactar no custo do produto, quem irá arcar com essa conta financeira, é uma equação que será feita no ciclo de vida do produto.

Já existe a prática de devolução de pilhas, baterias, embalagem de agrotóxicos, pneus e, com certeza, isso acontecerá em outros setores. Outra obrigação do consumidor será fazer a separação do lixo para a coleta seletiva quando o município a tiver implementada. Em dois anos, os municípios têm de fazer o plano municipal e, em quatro, implementar a política. Presume-se que em quatro anos deve haver coleta seletiva em todo o país.

A tendência de ter acordos setoriais, que demandam negociações, são importantes para o consumidor não “pagar o preço”.

IHU On-Line – O problema da reciclagem de resíduos sólidos é pior nas mãos das empresas ou dos consumidores?

Lina Pimentel – O consumidor normal tem uma obrigação: disponibilizar o lixo que ele gera na lixeira para a limpeza pública recolher. Em municípios onde existe a coleta seletiva, a prefeitura faz o recolhimento do consumidor individual. Então, se ele toma o cuidado de fazer a sagração do lixo, ele já cumpre o seu papel.
Onde não há coleta seletiva, como em São Paulo, um consumidor que mora em um apartamento pequeno tem condições de separar o lixo em quatro latões e levá-lo a pontos de recolhimento como o Pão de Açúcar, por exemplo? Quem consegue fazer isso? Fica difícil e não podemos esperar que o consumidor exerça sua responsabilidade na medida em que existem outras dificuldades sociais envolvidas. Então, falta um papel importante de conscientização do setor público e privado para que a população entenda o que acontece quando misturamos diversos tipos de lixos.

Empresas que tenham uma gestão e uma governança coorporativa naturalmente irão olhar para seus resíduos e procurar as cifras. Percebo que ainda faltam unidades de reciclagem de tratamento disponíveis para reutilizar determinados resíduos. Esse mercado está em franco desenvolvimento a partir dessa política. Quem quer investir no Brasil terá um mercado imenso.

IHU On-Line – E o que a entrada desses resíduos significa para os solos?

Lina Pimentel – Alguns resíduos passam a ser relevantes para a destinação final adequada por conta de volume. Alguns resíduos são considerados inertes, ou seja, não interagem quimicamente com o solo e ficam retidos como uma pedra. Essa é uma categoria importante na medida em que se tem um volume grande de circulação. Outro tipo de resíduo é aquele que tem alguma característica de potencial contaminante e que tem de ser disposto adequadamente para não contaminar o solo. Na medida em que se tem a decomposição de determinados resíduos no solo, o resíduo contaminará os lençóis freáticos, propagando uma situação de contaminação.

IHU On-Line – Como você vê a questão das cooperativas que devem gerir os resíduos sólidos, como sugere a nova lei?

Lina Pimentel – Elas têm de se mostrar extremamente capazes para fazer um serviço de excelência. Da mesma forma que os consumidores exigem que as empresas tenham licenças ambientais, segurança para os trabalhadores, garantias de que irão prestar serviços de forma segura, as cooperativas também terão de aderir a essa posição. Historicamente, elas são formadas por pessoas que tiveram, infelizmente, uma baixa qualidade de educação. Apesar disso, elas entenderam que o seu papel é importante no âmbito da proposta de logística reversa.

As cooperativas estão com uma abertura imensa para se organizarem porque empreendedor nenhum irá contratar uma cooperativa que não esteja adequada em seus procedimentos e que possa expor a empresa a um risco trabalhista. Estou surpresa, porque tenho sido procurada também por cooperativas que querem prestar serviços a empresas.

Vejo que temos uma política socioambiental cujo objetivo também é a inclusão dos catadores como elementos importantes da cadeia do ciclo de vida dos produtos.


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10/2/2011



Agenda ambiental do FSM dá destaque para Rio+20, em 2012



Após a criação do Grupo de Reflexão e Apoio ao Processo Fórum Social Mundial (Grap), ativistas e intelectuais como Cândido Grzybowski, Susan George e Boaventura Santos realizam em Dacar atividades voltadas a montar uma "agenda de transformaçao social", na qual a Rio+20 deve estar incluída.

A reportagem é de Marcel Gomes e publicada pela Carta Maior, 09-02-2011.

Diante da retomada – ainda que vacilante – da economia mundial após a fase mais aguda crise financeira, as organizações que trabalham com o tema ambiental começam a reforçar sua agenda de lutas e propostas para o próximo período. Um fator de aproximação deve ser a Rio+20, como é conhecida a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, que acontecerá no Rio de Janeiro, em maio de 2012.

A Rio+20 marcará as duas décadas da ECO-92. A conferência discutirá a governança global na área do desenvolvimento sustentável, além de renovar o engajamento dos líderes mundiais para com o tema. Um grupo de ativistas e intelectuais bastante identificados com o encontro – entre eles Cândido Grzybowski, Susan George e Boaventura Sousa Santos – criou o Grupo de Reflexão e Apoio ao Processo Fórum Social Mundial (Grap) e tem realizado em Dacar uma série de seminários com o objetivo de montar uma "agenda de transformaçao social", na qual a Rio+20 deve estar incluída.

O Grap integra o Comitê Facilitador da Sociedade Civil Brasileira para a Rio+20, ao lado da Associação Brasileira de ONGs (Abong), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Fórum Brasileiro de Economia Solidária, Fórum Brasileiros de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (FBoms), Rede Brasileira para Integração dos Povos (Rebrip) e Rede Brasileira sobre Instituições Financeiras Multilaterais (Rebrip). Informações sobre formas de participação podem ser obtidas na página www.rio2012.org.br

Lavagem do capital

Nesse processo, um dos desafios será distinguir iniciativas ambientalmente sustentáveis daquelas fundadas apenas em estratégias de marketing das corporações. "Há o risco de a chamada economia verde lavar o capitalismo", ponderou Grzybowski, do Grap, em uma das mesas de debate do Fórum, nesta terça-feira (8).

Na mesma linha, o ativista Blessing Karumbidza, pesquisador do Instituto para os Direitos Soicioeconômicos da África do Sul (Seri), comentava em outra mesa a "infâme proposta" de algumas tecnologias badaladas, como a do carvão mineral verde. A queima de carvão mineral tradicional, sobretudo para geração de eletricidade, é considerada a maior responsável pelas emissões de gases do efeito estufa e, consequentemente, pelo aquecimento global.

Novas tecnologias, porém, prometem uma "lavagem química" do carvão, reduzindo ao mínimo a quantidade emitida de dióxido de carbono – o principal gás do efeito estufa. O problema, segundo cientistas críticos à proposta, é que a "lavagem química" apenas modificaria o ambiente da contaminação – em vez do ar, os recursos d'água passam a receber o material ambientalmente danoso.

De acordo com o sul-africano Karumbidza, é notório e preocupante o aumento da presença das corporações petroleiras e mineradoras em seu país. "E o problema é que nossa produção é destinada à Europa e aos Estados Unidos, e não fica em nosso país", diz ele.

Na região semi-desértica de Karoo, considerada um santuário ecológico por ambientalistas, a transnacional britânico-holandesa Shell mantém projetos para exploração de gás natural. Mas um movimento promovido por organizações sociais deseja barrar o investimento. O argumento é o de que a técnica de engenharia para procurar o gás, baseada na perfuração de rochas e no uso de produtos químicos, pode contaminar o aquífero que existe sob a região, prejudicando a população e agricultores locais.

Conflitos à brasileira

Novos projetos de mineração, assim como novas áreas de cana-de-açúcar e eucalipto, trazem preocupação também a pequenos agricultores de Moçambique, outra nação africana na mira das transnacionais. De acordo com Bartolomeu Antonio Henriques, membro da União Nacional dos Camponeses de Moçambique e da Via Campesina, todas as terras de seu país são oficialmente do Estado e dependem de concessão governamental para serem exploradas.

O governo nacional, assim, tem tornado-se alvo de intenso lobby de companhias de diversos setores. "Ao menos em um caso, de uma empresa sul-africana que queria plantar cana na região de Magude (próxima à capital Maputo), conseguimos provar que havia camponeses no local a ser explorado e o governo acabou negando a concessão", disse Henriques.

Segundo o ativista, o Fórum Social Mundial deve auxiliá-lo a "aprender mais" sobre as causas das mudanças climáticas e a difundir as informações entre seus colegas. "Não basta dizer às pessoas do campo que precisam plantar mais árvores, é preciso explicar o porquê", concluiu.


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12/2/2011



Movimento guarani no sul do país se fortalece e discute demandas em Encontro



Cerca de 300 pessoas participaram, entre 4 e 7 de fevereiro, em São Gabriel, RS, do Encontro de Lideranças Guarani e do Conselho de Articulação do Povo Guarani no Rio Grande do Sul. Foram 200 indígenas e mais 100 outros participantes entre simpatizantes da causa, movimentos sociais e grupos de apoio.

A intormação é do sítio do CIMI, 10-02-2011.

A situação fundiária, a reestruturação da Funai e o atendimento à saúde indígena foram os pontos mais preocupantes e que receberam maior destaque na reunião. Sobre a situação fundiária, o que mais preocupa é a falta de demarcação – a maioria das terras Guarani no Rio Grande do Sul não é demarcada –, a demarcação em áreas muito pequenas e a permanência de fazendeiros nas áreas indígenas.

Em relação à reestruturação da Funai, os indígenas sentem a falta de diálogo por parte do órgão indigenista oficial, em relação às medidas que vêm sendo tomadas, mudanças. Na saúde, também não há repasse de informações. Os indígenas reclamam da falta de explicações sobre o que muda com a troca da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) no atendimento.

Grandes obras

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) também atinge fortemente os indígenas no sul. Os principais empreendimentos são as duplicações de rodovias, que atingem cerca de dez áreas indígenas, e a construção das pequenas centrais hidrelétricas (PCH’s), que afetam as terras Estrela Velha e Salto do Jacuí.

Na opinião do vice-presidente do Cimi, Roberto Liebgott, dos encontros que participou, este foi o que percebeu maior participação nos debates. "Percebi grande interesse dos indígenas das discussões, e nos encaminhamentos das ações. Acredito que existe um fortalecimento cada vez maior do movimento indígena guarani no sul, principalmente em torno do Conselho de Articulação do Povo Guarani”, afirmou.

Documento Final

Encontro de Lideranças Guarani e do Conselho de Articulação do Povo Guarani no Rio Grande do Sul

As lideranças de 23 aldeias Guarani do Rio Grande do Sul se reuniram juntamente com o Conselho de Articulação do Povo Guarani – CAPG/RS, nos dias 4 a 7 de fevereiro de 2011, no município de São Gabriel. Nesta data nós lembramos o massacre de milhares de nossos parentes e da morte Sepé Tiaraju praticados por soldados espanhóis e portugueses, no ano de 1756. Lá nossos Karaí e Kunhã karaí (líderes religiosos) rezaram a Ñhanderu pelos parentes que morreram lutando por nossa terra.

No encontro discutimos várias questões que preocupam nossas comunidades, como a demarcação de nossas terras, as mudanças na gestão do atendimento à saúde indígena, a reestruturação da FUNAI, os impactos de grandes empreendimentos sobre nossas terras e comunidades a exemplo das duplicações das BRs 116 e 290, a educação diferenciada em nossas aldeias, e as políticas de apoio à agricultura e sustentabilidade às nossas famílias.

Em todas estas questões, após avaliarmos a situação de nossas aldeias, sentimos que ainda falta muito para garantir nossos direitos definidos pela Constituição Federal, pelos tratados internacionais e leis direcionadas aos povos indígenas. O principal atraso continua sendo a demarcação de nossas terras. Vivenciamos desde processos já concluídos no papel, mas que as aldeias continuam com problemas porque a Funai não retira os ocupantes das nossas terras, até realidades em que as famílias estão em situações muito precárias, obrigadas a morar em barracos de lonas, acampadas em beira de estradas. E, além disso, sempre somos ameaçados de despejo por empreendimentos de desenvolvimento da economia não indígena. Isso tudo porque o governo não demarca as nossas terras.

E isso tudo acontece para nosso povo que antes tinha um grande território, mas que foi transformado em cidades e nos estados das regiões sul, sudeste e centro oeste do Brasil, e nos países da Argentina, Paraguai, Bolívia e Uruguai. Dividiram o território e dele nos expulsaram. Hoje estamos apertados pelas cidades e fazendas em todos os lugares. Essa situação nos causa muita tristeza.

Estamos cansados de viver na beira das estradas. Estamos cansados de ver nossas crianças, nossas mulheres, nossos velhos arriscarem a vida para buscar água, para lavar roupa, para vender o artesanato nos acostamentos das rodovias. Estamos cansados de viver sem a nossa terra. Exigimos respeito. Dissemos isso aos representantes da Funai, da Funasa e da Secretaria da Atenção Especial à Saúde.

Em resumo, necessitamos e exigimos rapidez no reconhecimento e demarcação de nossas terras e no atendimento de políticas diferenciadas em saúde, educação. Exigimos também que as propostas que pretendem elaborar, sobre as políticas para o nosso povo, sejam, antes de tudo, discutidas com nossas comunidades e lideranças. Não vamos mais aceitar e esperar calados, porque é nosso direito participar das decisões que nos dizem respeito.

Apesar de tudo isso, temos esperanças que os não indígenas reconheçam a gravidade de nossos problemas e os poderes públicos cumpram com suas responsabilidades. Nossos Karaí e as nossas Kunhã Karaí nos alertam e nos orientam para que a gente se articule cada vez mais e cobre das autoridades que as leis, que os brancos criaram, sejam respeitadas e cumpridas.

São Gabriel, 7 de fevereiro de 2011.


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